sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Meditações


foto Raul Motta


Varrendo o tempo



As folhas soltas, espalhadas pelo chão, são como um tapete inconstante, desenho tramado pelo vento que passa. Caídas, apenas reencontram o mesmo solo que as acolheu semente, nutriu a raiz, fez circular a seiva, que impulsionou a árvore, que se vestiu e despiu de folhas – essas mesmas folhas que ainda há pouco respiravam, delicadamente suspensas entre céus e terra.

Agora, varrendo as folhas, uma a uma, observo. E respiro. E vejo, varrendo as folhas, a cada uma como uma, e a todas elas. E respiro, todo. E vejo, e revejo, cada uma de uma vez e a todas, todo o tempo, o tempo todo, como da primeira vez. E vejo em mim a folha que respira, e a que se foi e agora respira em mim. E em todas e tudo que vejo sinto o tempo da folha. Agora, entre céus e terra, delicadamente, enquanto respiro e varro as folhas, sinto que tudo agora é tempo, o tempo é o todo e nada importa tanto quanto tudo nesse ato de varrer o tempo.


[R.M.]

[ * ] Texto produzido durante retiro
no Templo Budista Theravadaa, da Sociedade Budista do Brasil,
em Santa Teresa, Rio de Janeiro.

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Meditação I


Esquece tua vida.

Esquece.

Esquece apenas
pela certeza plena de que nada merece
o delicado vazio do tempo que agora acontece.

Esquece.

Esquece sem pressa, esquece sem prece.

Apenas esquece,
sem pesar, alegria,
combate ou rendição.

Esquece para lembrar que agora,
neste instante,
nenhuma dor, esperança, tristeza ou paixão
importa mais que este silêncio –
que só no silêncio se alcança
e só ao silêncio remete


[R.M.]