sábado, 31 de março de 2012

"Escritos em Liberdade"

Clemente Padín, "Signografias", 1968
Clemente Padín, "Signografias", 1968

Edgardo A. Vigo, "Sinais nº18"
Uma ocasião única, verdadeiramente especial: presenciar uma performance do poeta uruguaio Clemente Padín. A ocasião se deu no encerramento da igualmente bem vinda exposição Escritos em Liberdade - poesia experimental espanhola e hispano-americana do século XX, no Instituto Cervantes.
Felipe Boso, "Lluvia"
Clemente Padín, um dos mais importantes criadores da poesia visual, ofereceu ao público uma palestra-performance intitulada Poesia Experimental Autorreflexiva, uma aula informal e dinâmica em que as performances conviviam com explanações teóricas e informações históricas altamente substanciais.
Presentes, a poeta Regina Pouchain, Wlademir Dias-Pino, poeta e teórico, participante da Exposição Nacional de Arte Concreta [São Paulo, 1956] e um dos criadores do movimento poema-processo, a pesquisadora Neide Dias de Sá e Fernanda Nogueira, acadêmica e pesquisadora integrante do grupo Red Conceptualismos del Sur formaram, ao final do evento, uma pequena roda em torno de Padín. E a palavra, sempre ela, se fez troca e conversa.

CO-NEXOS

Padín e o poema PATRIA, de Jorge Caraballo
Ao fim da noite, a convicção de que as possibilidades da palavra, suas vidas possíveis, suas encarnações são infinitas. Ideia expressa na coincidência que uniu nas mesmas coordenadas de tempo-espaço a palavra poética exposta e compartilhada e o protesto dos funcionários do Instituto Cervantes contra a recente reforma trabalhista na Espanha. Manifestações distintas, mas que guardam algo em comum: a necessidade humana, demasiado humana, de se fazer uso e de se re-fazer no uso das palavras.
Em liberdade!




"Isto é poesia"


palavras que lutam

palavras que lutam
são mais que palavras
palavras que lutam
são corpos
sãos
pontes sobre
vãos
palavras que lutam
aqui
agora
presentes
fazem da hora
hora de ação
palavras que lutam
negam o luto
são
grito
e
oração
que sigam sempre
ativas
altivas
vivas
em nós
todas as palavras
que lutam
por nós


[R.M.]



segunda-feira, 26 de março de 2012

ensaios

"Barquinho"; Renata Linhares, guache s/ papel, s.d.


o ser
em instável equilíbrio
sai de si
busca o amparo

o ser
em instável equilíbrio
cai em si
ampara-se na busca



[r.m.]

quinta-feira, 15 de março de 2012

noves fora





o poema nada sabe sobre
não paira acima
não olha de fora
não tem umbigo
o poema nunca nasceu
não tem ego
id
superego
nunca teve nada a ver com isso
ou aquilo
o poema não reza -
ora -
e toda hora é agora
o poema não se debruça à janela
não para pra ver passar a banda
o poema é a banda em silêncio
o publico em silêncio atônito atento ao silêncio da banda
o poema não presta e confessa:
amei a poesia
dormi com o poeta
mas isso foi um dia depois
matei a poesia
escarrei no poeta
o poema sempre foi sem eira nem beira
o poema assume que sonha acordado
que fala sozinho
que é louco varrido
barroco e concreto
o poema não cerca o Lourenço
não leva desaforo pra casa
não foge da luta
sin perder la ternura
o poema é uma pedra no caminho do poeta
o chumbo das asas
o salto
o assalto ao trem pagador
o poema é a pipa
o azul
a linha
o cerol
o cerol na linha
a linha na linha no azul
o corte a perda
o poema é o luto
a lápide
a vida eterna
de corpo presente
o poema não serve pra nada mas -
desde sempre - foi sempre um poema
a preencher de vida
a morte da vida
na gente






[R.M.]

+

imagem
Raul Motta
Sem título; monotipia xilográfica; s.d.



+  

 Poema republicado no blog Cronísias
Meus agradecimentos ao poeta Fred Caju

a mais




a poesia não sai de mim
não passa
não fica
não me habita
sequer me habilita
a escrever poesia

no poema
não descrevo o que sinto
sou ou faço
se assim fosse
seria fato:
de mim já estaria farto

o poema só existe
quando exige no concreto ato
o esforço
claro
reto
palavra a palavra
e -
depois da luta -
toda palavra exulta -
enfim - bruta

a palavra no poema
de si mesma grávida
nada deseja
que não seja o poema
nada almeja
que não seja ser
no poema
que não existe em mim
que não faz do eu
mundo
que nada revela
apenas vive
e vela
com zelo profundo
pelo que guarda
e faz
de si

no mundo





[R.M.]

+

imagem
Raul Motta
Sem título; xilogravura; s.d.

domingo, 11 de março de 2012

silêncio sem título





sinto o não dito
tão difícil
tão bonito
agora fico aqui
passada a hora
a senha no olvido

sinto o dito
lamento
o sonho por alimento
então me fale
ou não
cale se preciso
faça-me beber do silêncio
que mora dentro
de um grito





[R.M]

+

imagem
Raul Motta
Sem título; grafite sobre papel; s.d.

ludens II

quanto mais lúdico
mais lúcido
quanto mais lépido
fagueiro
mais certeiro





[r.m.]

é

não é preciso
ser preciso
para ser





[r.m.]

.

Isso apreendi sendo com a Chris,

a quem dedico este insight em forma de poema.

sábado, 10 de março de 2012

vagos





I

pago em palavras
o débito
diário
com a vida

aceito troco
curto o prazo
a perder de vista



II

não aprendi com literatos
a grande
inesquecível lição
da necessária concisão:

"Fale ao motorista somente o indispensável"

a frase seca
em singela tabuleta
segue sendo
desde sempre
então
minha meta de poeta



III

barco
é berço
fora
o mundo vaga



IV

sim
gostaria de ver passar
o filme da minha vida toda todo de uma vez mas -
segundo dizem -
é caro o ingresso







[r.m.]

+

imagem
Oswaldo Goeldi; Sem título ["Solitário"]; nanquim a pincel, s.d.

quinta-feira, 8 de março de 2012

leito

a pedra
pesa
afunda
na água

no fundo
a pedra
encerra em si
denso poema concreto
matéria e memória
tempo
história

a pedra
no fundo funda
um chão
um grão de silêncio
no mundo

a água
faz do desvio via
flui
baila leve
em vai e vem
envolve o corpo da pedra
e segue
e volta
leva
lambe
lava
pole a pele da pedra

o peso
da pedra
é lastro
a pele - polida -
alabastro

água e pedra
celebram rito ancestral
não deixam de ser -
quem duvida? -
no encontro mais profundo em cada qual
harmonioso casal






[R.M.]
para Christiane Valente

só [as] palavras




só as palavras
são flores ocultas
no jardim das delícias

só as palavras
apelam à pele do mundo
e permanecem no fundo

só as palavras
se salvam dos tratos
e contratos dos homens de palavra

só as palavras
suportam a vertigem de ser
na ponta da língua






[RM]

+

imagem
Raul Motta
"Sementes"; grafite e lápis de cor s/ papel; s.d.

sinais





sonhos secretos
estampam
out doors

sagrados corações
pendem em ganchos nas vitrines
envidraçadas dos açougues

almas vagam
encarnadas em bandos
expostas em cobertores

medos viscerais
são estatísticas em pesquisas
de opinião

o mais íntimo
o mais ínfimo dos sentimentos
não cabe entre nós





[R.M.]

+

imagem
Oswaldo Goeldi; Sem Título ["Abandono"]; xilogravura; 17,3 x 21,8 cm


quarta-feira, 7 de março de 2012

a dia





dia
a
dia
a vida
flui
e
vai
só não vê
não vive
quem
o dia
adia






[R.M.]

+

imagem
caligrafia de San-u Ayoama

sábado, 3 de março de 2012

ver[con]tigo

ver
ver a si
ver de fora
pra dentro de dentro
pra fora
é ver apenas
mas
ver-se outro
por outro
por dentro
é olhar e ver-se mais a si
não mais a si mesmo
e
subitamente
ver
ti
gi
no
sa
men
te
tanto é o que se vê
que
ver-se assim
presenteagora
diferente de si
o olho
olha e não vê:

sente






[R.M.]


crianças

a verdade
à vera




[r.m.]