quinta-feira, 30 de abril de 2009

horas são


a cada dia
do pão a alegria
seja semente

da alma seja
sacerdote e guia
de toda gente


[ R.M. ]
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"estela"; R.M., xilogravura; s/d
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Clarice

quarta-feira, 29 de abril de 2009

iluminuras

"veermer"; fotografia da série "a vila"; R.M., Londrina, 1997

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quero um dia
inteiro assim
atravessado de luz
à existência simples
de pequenas coisas

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[R.M.]

Anamnemosine

Procurava lembrar. Como o que sobrevinha não lhe satisfazia, terminava sempre por regredir ao atual incômodo, ao horizontal desconforto. Buscava, na verdade, uma forma qualquer de utilidade. Não que o ambicionasse mas, gostaria, sim, de entender o quê. Algo havia lhe tornado, era evidente. Disso, com certeza, teria certeza se pudesse lembrar. Lembrava, isso sim, do muito que já lhe haviam dito, mas todas aquelas palavras agora já não eram mais aquelas, eram essas, e haviam se tornado tão estáveis quanto animais empalhados acomodados em prateleiras. Isso, essa sensação, era do tipo que possuía justamente o efeito de fazê-lo desacreditar inutilmente de tudo, em toda essa fiada de fatos críveis, tecidos por palavras mornas embaladas em melodias de ninar. Ora, não era mais criança. Não era mais, não era. Uma utilidade para tudo isso, pensava que pudesse. Gostaria, sim, de entender; mas permanecia, entretanto. Poderia seguir. Imaginar um talvez.
[R.M.]

Infância

Tudo o que se podia possuir era a linha do horizonte. Com os olhos, tudo era possível – enquanto pés, mãos, músculos permaneciam em si mesmos. Só, o olhar solidarizava-se com o espaço em volta, largo, vazio, ele mesmo em si nada e por isso mesmo recebendo o olhar como uma oração. Os dias estendiam-se então. Secos, os dias.
[R.M.]
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"Infância"; R.M.; xilogravura, 1997

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de onde vêm as palavras?

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As palavras vêm da varinha mágica que é a língua.
As palavras vêm da sopa.
As palavras vêm dos sons que ouvimos quando estamos com os nossos amigos.
Há palavras quentinhas, acabadinhas de sair do forno.
Se a caneta não escrever, as palavras saem pelas mãos.
As palavras vêm da lua de Inverno.
As palavras são muito tímidas e quando querem sair de casa, vão pela chaminé.
As palavras vêm do coração.
As palavras vêm da palavra “palavra”.
As palavras vêm do fogo, quando o acendemos, as palavras queimam-se e saem, iluminadas.
É da imaginação que vêm as melhores palavras.
Se fosse uma prenda com palavras más, eu não a abria.
As palavras vêm de Homero porque os poetas têm muita sabedoria.
As palavras vêm nas nuvens brancas.
Quando dizemos a palavra errada ela desaparece.


Ana, Ana Rita, João L., João R., Carina, Adriana, Pedro, Alexandre, Inês

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"Crianças"; Raul Motta; xilogravura, 1997


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quinta-feira, 23 de abril de 2009

um dia



se eu sei do tempo eu sei porque
um dia
meus pés pisaram a areia
sabendo que a areia já foi rocha
um dia

e dia após dia
o tempo da pedra era o mar
o mar que lambia
a pedra que dormia

[o sal do mar
a língua grossa de sal do mar
qual profecia]

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[R.M.]