Alberto Giacometti [1901-1965]; fotografia de Gordon Parks
I
"Todo homem terá talvez sentido essa espécie de pesar, se não terror, ao ver como o mundo e sua história se mostram enredados num inelutável movimento que se amplia sempre mais e que parece modificar, para fins cada vez mais grosseiros, apenas suas manifestações visíveis. Esse mundo visível é o que é, e nossa ação sobre ele não poderá nunca transformá-lo em outro. Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a aparência visível, se dedicasse a desfazer-se dessa aparência, não somente recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando-se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente. Mais precisamente moral, sem dúvida. Mas, afinal, é talvez a essa condição inumana, a esse agenciamento inelutável, que devemos a nostalgia de uma civilização que procuraria se aventurar fora do que é mensurável. É a obra de Giacometti, creio, que torna nosso universo ainda mais insuportável, pois parece que esse artista soube afastar o que perturbava seu olhar para descobrir o que restará do homem quando as máscaras forem retiradas. Mas a Giacometti talvez tivesse sido igualmente necessária essa condição inumana a nós imposta, para que sua nostalgia se tornasse tão grande a ponto de lhe dar força para lograr a sua busca. Seja como for, toda a sua obra me parece ser essa procura, visando não só o homem, mas também não importa o que, o mais banal dos objetos. E quando consegue despojar o objeto, ou o ser que escolheu, de suas máscaras utilitárias, a imagem que nos dá é magnífica. Recompensa merecida, mas previsível."
Alberto Giacometti;
"Jean Genet on a Balcony"
II
"Não se aborda uma obra de arte - quem não sabe disso? - como a uma pessoa, um ser vivo ou outro fenômeno natural. O poema, o quadro, a estátua exigem ser examinados com um determinado número de qualidades. Mas falemos do quadro.
Um rosto vivo não se entrega com tanta facilidade, no entanto não é preciso muito esforço para descobrir seu significado. Creio - estou arriscando -, creio que o importante é isolá-lo. Se meu olhar o destaca de tudo o que o cerca, se meu olhar (minha atenção) impede que esse rosto se confunda com o resto do mundo, evadindo-se em infinitas significações cada vez mais vagas, fora de si mesmo, e se, ao contrário, obtenho a solidão por meio da qual meu olhar o separa do mundo, é apenas seu significado que afluirá e se acumulará nesse rosto - pessoa, ser ou fenômeno. Quero dizer que se o conhecimento de um rosto pretende ser estético, deve recusar ser histórico.
Para examinar um quadro, é necessário um esforço maior, uma operação mais complexa. Foi realmente o pintor - ou o escultor - quem efetuou por nós a operação acima descrita. É, portanto, a solidão da pessoa ou do objeto representado que nos é restituída, e nós, que olhamos, para percebê-la e sermos tocados por ela, devemos ter uma experiência não da continuidade, mas da descontinuidade do espaço.
Cada objeto cria seu espaço infinito.
Se olho o quadro, como disse, percebo-o em sua solidão absoluta de objeto como quadro. Mas não é isso que me preocupa. E sim o que a tela deve representar. O que eu quero apreender em sua solidão é simultaneamente essa imagem que está sobre a tela e o objeto real que ela representa. Devo então primeiro tentar isolar em seu significado o quadro como objeto (tela, moldura etc), para que ele deixe de pertencer à imensa família da pintura (mesmo que retorne mais tarde) e que a imagem sobre a tela se ligue à minha experiência do espaço, ao meu conhecimento da solidão dos objetos, dos seres ou dos acontecimentos, como descrevi acima.
Quem nunca ficou maravilhado com essa solidão, não conhecerá a beleza da pintura. Se disser o contrário, mente."
Jean Genet [1910-1986]
Trechos extraídos de:
Genet, Jean. O ateliê de Giacometti. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.
Tradução: Célia Euvaldo
Acima: Alberto Giacometti; "La main"