”Senhores passageiros, desculpe interromper o silêncio da sua viagem…”
“Não é 5, não é 6, é 10 por apenas 1 real!”
"Aquele que puder colaborar com meu trabalho, eu agradeço, aquele que não puder, eu agradeço da mesma forma..."
”O camelô vem trazendo para os senhores o mais novo lançamento... São balinhas mastigáveis nos sabores morango e pêssego…”
”... é a alegria da criançada!”
"Amendoim japonês recheado com o Viagra do Pelé!"
Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou aqui oferecendo...”
”Trago o passatempo da sua viagem…”
“Só na minha mão!”
Ambulantes fazem parte da memória urbana - e, inclusive, afetiva - de países periféricos como o nosso. Uma das minhas lembranças visuais de infância mais inesquecíveis era o vendedor-cabide dos trens suburbanos, mil e uma bugigangas penduradas pelo corpo! E as memórias remontam a gerações anteriores: lembro dos "causos" contados por meu pai, tendo como personagens os mascates que chegavam nos vilarejos com a maletinha repleta de novidades da "cidade grande"... Ambulantes tornaram-se "tipos", eternizados nas aquarelas de Debret e Rugendas, nas fotografias de Marc Ferrez, confundindo-se com a própria história da cidade.
Mas, de uns tempos pra cá, vimos experimentando algum deslumbramento típico dos novos ricos. É o caso do novo Código Disciplinar de Transporte que, segundo leio nos jornais, entrou hoje em vigor aqui nas terras cariocas: entre outras determinações, veta a presença de camelôs nos ônibus, o desrespeito à regra rendendo multa - de R$40,00 - para os motoristas...
Negar a vitalidade desta cultura urbana que existe e resiste é um crime - ainda que travestido de legalidade e apelos à "ordem". A cidade é espaço de convivência, sociabilidade e civilidade; sua "ordem" é fluxo, comunicação e troca, que se fazem no diálogo. Na urbis somos todos filhos de Mercúrio, o comércio e a livre circulação tanto de produtos quanto de subjetividades é nosso pão cotidiano - e o corpo do ambulante manifesta esta mundanidade, expressa na labuta poética das palavras.
"Passatempo de Sua Viagem"; curta-metragem de Marcos França; 2003