sábado, 6 de novembro de 2010

o passatempo de sua viagem


”Senhores passageiros, desculpe interromper o silêncio da sua viagem…”

“Não é 5, não é 6, é 10 por apenas 1 real!”

"Aquele que puder colaborar com meu trabalho, eu agradeço, aquele que não puder, eu agradeço da mesma forma..."

”O camelô vem trazendo para os senhores o mais novo lançamento... São balinhas mastigáveis nos sabores morango e pêssego…”

”... é a alegria da criançada!”

"Amendoim japonês recheado com o Viagra do Pelé!"

Eu poderia estar roubando, eu poderia estar matando, mas estou aqui oferecendo...”

”Trago o passatempo da sua viagem…”

“Só na minha mão!”


Frases como estas frequentam os coletivos que circulam pelas grandes cidades, quase sempre pronunciadas em um português que encanta pela inocência da incorreção. Seus porta-vozes são sujeitos complexos de classificar: ganham a vida com a disposição dos humildes e seu corpo é seu único patrimônio - isso os aproxima do trabalhador comum; mas sua presença é tanto mais notada quanto a criatividade na construção de um discurso, e isso faz toda diferença. É fato que o produto oferecido, em si mesmo, possui seu próprio poder de atração mas, se não viessem embrulhados em palavras...

Ambulantes fazem parte da memória urbana - e, inclusive, afetiva - de países periféricos como o nosso. Uma das minhas lembranças visuais de infância mais inesquecíveis era o vendedor-cabide dos trens suburbanos, mil e uma bugigangas penduradas pelo corpo! E as memórias remontam a gerações anteriores: lembro dos "causos" contados por meu pai, tendo como personagens os mascates que chegavam nos vilarejos com a maletinha repleta de novidades da "cidade grande"... Ambulantes tornaram-se "tipos", eternizados nas aquarelas de Debret e Rugendas, nas fotografias de Marc Ferrez, confundindo-se com a própria história da cidade.

Mas, de uns tempos pra cá, vimos experimentando algum deslumbramento típico dos novos ricos. É o caso do novo Código Disciplinar de Transporte que, segundo leio nos jornais, entrou hoje em vigor aqui nas terras cariocas: entre outras determinações, veta a presença de camelôs nos ônibus, o desrespeito à regra rendendo multa - de R$40,00 - para os motoristas...

Negar a vitalidade desta cultura urbana que existe e resiste é um crime - ainda que travestido de legalidade e apelos à "ordem". A cidade é espaço de convivência, sociabilidade e civilidade; sua "ordem" é fluxo, comunicação e troca, que se fazem no diálogo. Na urbis somos todos filhos de Mercúrio, o comércio e a livre circulação tanto de produtos quanto de subjetividades é nosso pão cotidiano - e o corpo do ambulante manifesta esta mundanidade, expressa na labuta poética das palavras.

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+ imagem:
"Passatempo de Sua Viagem"; curta-metragem de Marcos França; 2003

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

afinidades [s]eletivas


Haiga da poetamiga Clarice Villac
http://arsducaest.blogspot.com/2010/11/afetos-repercussoes.html


Nem todos que me conhecem pelo há palavra sabem que sou professor. Pois é, além de um ex-tudo na vida [cartunista, programador visual, ilustrador, papeleiro artesanal, produtor cultural... será que esqueço alguma coisa?] também sou, por enquanto e encanto, professor de artes plásticas do ensino fundamental nos municípios do Rio de Janeiro e Duque de Caxias, já lá se vão quase cinco anos... Será que finalmente encontrei minha vocação?

Mas esta breve digressão é um mero pretexto para linkar este há palavra ao meu blog de professor, o arte é duca!, postando aqui o haiga que a poetamiga Clarice Villac fez desta foto de uma das minhas turmas, com seus graffitis ao fundo.

Se a vida vale a pena ser vivida é por conta de tais afinidades eletivas, afetos que não necessitam de explicação mas que promovem sentidos, tantos e tão variados quanto mais somos multifacetados e capazes de nos deixar habitar pelo[s] outro[s]...

Grato pelo diálogo, Clariceamiga!

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+ Clarice Villac

www.claricevillac.blogspot.com

+ arte é duca!

www.arsducaest.blogspot.com