sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

José Barbosa da Silva, café performer



Rua do Ouvidor, centro do Rio, manhã de 22 de dezembro. Calor de verão recém-chegado e toda aquela agitação pré-natalina no ar. Imagino compartilhar com a multidão os sentimentos totalmente contraditórios que acompanham qualquer ser minimamente humano nesta época do ano: como conciliar o amor ao próximo, essencial para a vivência do tal espírito do Natal se, de tão próximos que estamos, eu e meu próximo nos esbarramos a cada passo?

Cada um se defende como pode e eu busquei o conforto de um mate gelado enquanto formulava um arremedo de teoria metafísica acerca da incontestável natureza da relação inversamente proporcional entre a proximidade física e espiritual: pois os iluminados não se iluminam, preferencialmente, na montanha ou no deserto? Um pouco mais refeito por ter encontrado um amparo intelectual para o meu corpo esgotado, assim argumentava eu comigo mesmo - o que aumenta consideravelmente as chances de se estar certo... - quando avisto um ponto de exclamação amarelo que caminha em minha direção. Surpreso, observo este ser humano calmo, de passos leves, como que navegando suave por entre o mar revolto de gente. Não resisto e troco o mate gelado pelo café quentinho desse incomum José.

Degustado o café, segue-se a inevitável conversa que começa pelo nome completo desse ambulante-performer: José Barbosa da Silva. De fala tão ou mais suave que o caminhar, José se mostra de uma polidez e reserva em tudo contrastante com a indumentária: uma alma de Klee manifesta pela paleta de um Van Gogh. Sou movido pela curiosidade pelos tipos urbanos que com sua simples presença reumanizam as ruas, mas logo abandono as perguntas, pois observo que este José é de poucas palavras: ele prefere dizer quem é com sua presença e tudo que a acompanha: o café, o caminhar suave, a dignidade e uma cordialidade que de tão humana é rara entre humanos.

O encontro é breve. Nos despedimos. José segue seu caminho por entre a multidão e eu retomo o meu. Na superfície do mundo, nenhuma mudança. Mas o próximo que agora se afasta com seu caminhar suave, com sua presença me reaproximou de mim mesmo e, assim, me fez novamente próximo dos próximos que ainda esbarram em mim.

Um milagre tão humano e horizontal. Um milagre banal. Um milagre de Natal?



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[R.M.]