terça-feira, 17 de março de 2009
uns e outros haicais
Nestes inícios, não tinha a preocupação de respeitar a tradição da divisão do poema em versos de 5, 7 e 5 sílabas, mas procurava escrever a partir de experiências vivenciadas, o que contemplava duas outras regras clássicas: referir-se a um evento particular e apresentar tal evento como “acontecendo agora”, e não no passado. Mais recentemente me propus a escrever respeitando a metrificação clássica e, acredito, este exercício tem resultado em poemas que julgo mais consistentes. Estes últimos estão aqui publicados a seguir, intitulados uns; os mais antigos são os outros.
Para os leitores que tiverem curiosidade em saber mais sobre os haicais, indico duas fontes na internet:
Caqui – Revista Brasileira de Haicai
http://www.kakinet.com/
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Terra redonda
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Logo ali, o mar.
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A alma - lama
nas águas de janeiro
me lavo - leve.
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Da chuva que cai
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Meu coração
desenho: Mônica Sartori; "Sinuosidades" [ * ]
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outros
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Cadeiras de plástico:
na de madeira, solitária,
o gato.
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Rugas que contam histórias -
quanta beleza no teu rosto,
mulher!
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Quarto vazio:
minha companhia
lhe agrada?
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É apenas uma mulher
mas já não vejo
floresárvores.
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Vestida de azul
ela cruza as pernas e abre um livro.
[A beleza é uma coisa simples]
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Nem o sol do meio-dia
desfaz a névoa
do meu coração!
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Branca borboleta
me aponta o vermelho
em meio o verde.
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Presente dado
a quem está ausente:
dela me lembro.
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Uma árvore... e ninguém por perto!
Por quê não?
Infância perdida...
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À beira do riacho
penso mergulhar em sua corrente
minha memória pesada.
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Triste a cabeça
repleta de pensamentos:
peneira fina.
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A luz
se acende
depois do happy end.
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No topo da montanha,
a surpresa:
ainda falta para o céu!
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O buda
sob a lâmpada:
duplamente iluminado.
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noitevaranda
enquanto estrelas
mimetizam pirilampos.
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Teu silêncio -
morno - e o mar
em torno.
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[R.M.]
[ * ] Mônica Sartori é representada pela Galeria Anna Maria Niemeyer
http://www.annamarianiemeyer.com.br/
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"one word, one buddha"
poemas distantes
Elegia
amiga, não é doce
como o vinho...
Sorvo agora,
em um rubro cálice,
saudades tuas
e em teu corpo
penso. E o perfume,
inebriante
alma das horas,
alento dos convivas,
a mim me toca
como ausência
dolorosa e triste,
de luz vazia...
Amada, teu bem
ainda não é o meu.
O coração da vida
não se alcança
apenas em palavras...
Inda que belas,
são como o gelo:
formas limpas, perfeitas,
a querer d’água
a fluidez, o
fluxo – e o destino:
se perder no mar...
Assim, desejo
a sublime ventura:
ao amar, ir – e
no Amor, chegar;
em teus braços saber
o que é nadar...
II
nada sei do teu corpo
senão miragens ...
E, só, caminho
por vales, planícies
desertas e vãs,
enquanto sobram
as horas e os dias
desalentam-se,
entorpecendo –
me como o vinho, já por
demais sorvido
em tosco rito -
pálido arremedo
a Dioniso.
A taça, leve,
e a garrafa, oca,
são oferendas
mínimas – e o
deus exige além:
enovelar-se,
extenuado,
preenchendo o vazio
entre corpos nus,
abeberar-se
da seiva acridoce
dos sexos, quente
como o sangue nos
corações... E, só então,
consagrar os dois
amantes, dourar
seus corpos e untar
suas almas sãs.
III
distância, agora,
é aura onde
faço cálida
morada. Entre tantas
és a única
por que anseio:
por teu nome eu peço,
por teu hálito,
aqueço; sendo
um, enlouqueço; dois,
me reconheço...
Ah! Se pudesse,
agora, sentir de ti
o sumo prazer,
o inefável
toque que imagino,
apenas! Tremo,
e o frêmito
que me corre inteiro
é sombra frente
ao real sentir,
ao túrgido turbilhão!
Mas, espero - e
a alma é mar,
sopra o vento, vago...
E trago em mim,
por sob a pele,
o brilho das estrelas
frias, distantes...
- Enquanto guardo
o mergulho profundo
que ensaio, só.
asas
voam
e
são
tantas
as flechas
as flamas
os nomes
do
amor
que
a cada vôo
se me jogo inteiro
e me perco em tudo que me cerca
sinto que o mais em mim não me sustenta
(que sou muito mais que meu coração agüenta)
e volto ao solo, ao chão, ao colo de um deus desequilibrado e trôpego...
z o n a e s cu r a
Qual serpente
dulcíssima e negra
[que à luz do dia se recolhe em corpo]
do teu ventre
parte o movimento
linha súbita
espiralada e crescente
pura grafia
alfabeto constelar transcrito em gestos a desvelar aparências:
a matéria se quer última semente
ponte sutil
entre tantos mundos existentes.
terça-feira, 3 de março de 2009
tempo[s]
urge
e trama
o tempo
traça
e troça
o tempo
clama
e cama
o tempo
é templo
e chama
[ o tempo
em nada pousa
o tempo
pesa
ou
repousa ]
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