terça-feira, 17 de março de 2009

poemas distantes


Elegia



I


A distância,
amiga, não é doce
como o vinho...

Sorvo agora,
em um rubro cálice,
saudades tuas

e em teu corpo
penso. E o perfume,
inebriante

alma das horas,
alento dos convivas,
a mim me toca

como ausência
dolorosa e triste,
de luz vazia...

Amada, teu bem
ainda não é o meu.
O coração da vida

não se alcança
apenas em palavras...
Inda que belas,

são como o gelo:
formas limpas, perfeitas,
a querer d’água

a fluidez, o
fluxo – e o destino:
se perder no mar...

Assim, desejo
a sublime ventura:
ao amar, ir – e

no Amor, chegar;
em teus braços saber
o que é nadar...




II


Mas, ainda aqui,
nada sei do teu corpo
senão miragens ...

E, só, caminho
por vales, planícies
desertas e vãs,

enquanto sobram
as horas e os dias
desalentam-se,

entorpecendo –
me como o vinho, já por
demais sorvido

em tosco rito -
pálido arremedo
a Dioniso.

A taça, leve,
e a garrafa, oca,
são oferendas

mínimas – e o
deus exige além:
enovelar-se,

extenuado,
preenchendo o vazio
entre corpos nus,

abeberar-se
da seiva acridoce
dos sexos, quente

como o sangue nos
corações... E, só então,
consagrar os dois

amantes, dourar
seus corpos e untar
suas almas sãs.



III



Amiga: tua
distância, agora,
é aura onde

faço cálida
morada. Entre tantas
és a única

por que anseio:
por teu nome eu peço,
por teu hálito,

aqueço; sendo
um, enlouqueço; dois,
me reconheço...

Ah! Se pudesse,
agora, sentir de ti
o sumo prazer,

o inefável
toque que imagino,
apenas! Tremo,

e o frêmito
que me corre inteiro
é sombra frente

ao real sentir,
ao túrgido turbilhão!
Mas, espero - e

a alma é mar,
sopra o vento, vago...
E trago em mim,

por sob a pele,
o brilho das estrelas
frias, distantes...

- Enquanto guardo
o mergulho profundo
que ensaio, só.







Chama



as
asas
voam
e
são
tantas
as flechas
as flamas
os nomes
do
amor
que
a cada vôo
se me jogo inteiro
e me perco em tudo que me cerca
sinto que o mais em mim não me sustenta
(que sou muito mais que meu coração agüenta)
e volto ao solo, ao chão, ao colo de um deus desequilibrado e trôpego...







soma

z o n a e s cu r a

d a c o n s c i ê n c i a

z o n a l u z

z o n a p ó s

d e t u d o u m p o u c o

e u m i x a d o a o t o d o

r e v e r e n c i o

o c o r p o

a t r a m a

a s o m a

o c o i t o














Extático balé

Qual serpente
dulcíssima e negra
[que à luz do dia se recolhe em corpo]
do teu ventre
parte o movimento
linha súbita
espiralada e crescente
pura grafia
alfabeto constelar transcrito em gestos a desvelar aparências:
a matéria se quer última semente
ponte sutil
entre tantos mundos existentes.



.



[R.M.]

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