domingo, 19 de julho de 2009

Solidão e falsa solidão

Alguns textos nos chegam às mãos quando menos esperamos – e estes costumam ser os melhores. Pois foi num desses momentos que me caiu no colo do olho esta crônica de 7 de junho de 1969, na qual Clarice Lispector faz uma longa citação de Thomas Merton:

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“Eu, que pouco li Thomas Merton, copiei no entanto de algum artigo seu as seguintes palavras: ‘Quando a sociedade humana cumpre o dever na sua verdadeira função, as pessoas que a formam intensificam cada vez mais a própria liberdade individual e a integridade pessoal. E quanto mais cada indivíduo desenvolve e descobre as fontes secretas de sua própria personalidade incomunicável, mais ele pode contribuir para a vida do todo. A solidão é necessária para a sociedade como o silêncio para a linguagem, e o ar para os pulmões e a comida para o corpo. A comunidade, que procura invadir ou destruir a solidão espiritual dos indivíduos que a compõem, está condenando a si mesma à morte por asfixia espiritual.’
“E mais adiante: ‘A solidão é tão necessária, tanto para a sociedade quanto para o indivíduo que quando a sociedade falha em prover a solidão suficiente para desenvolver a vida interior das pessoas que a compõe, elas se rebelam e procuram a falsa solidão. A falsa solidão é quando um indivíduo, ao qual foi negado o direito de se tornar uma pessoa, vinga-se da sociedade transformando sua individualidade numa arma destruidora. A verdadeira solidão é encontrada na humildade, que é infinitamente rica. A falsa solidão é o refúgio do orgulho, e infinitamente pobre. A pobreza da falsa solidão vem de uma ilusão que pretende, ao enfeitar-se com coisas que nunca podem ser possuídas, distinguir o eu do indivíduo da massa de outros homens. A verdadeira solidão é sem um eu.’
‘Por isso é rica em silêncio e em caridade e em paz. Encontra em si infindáveis fontes de bem para os outros. A falsa solidão é egocêntrica. E porque nada encontra em seu centro, procura arrastar todas as coisas para ela. Mas cada coisa que ela toca infecciona-se com o seu próprio nada, e se destrói. A verdadeira solidão limpa a alma, abre-se completamente para os quatro ventos da generosidade. A falsa solidão fecha a porta para todos os homens.’
‘Ambas as solidões procuram distinguir o indivíduo da multidão. A verdadeira consegue, a falsa falha. A verdadeira solidão separa um homem de outros para que ele possa desenvolver o bem que está nele, e então cumprir seu verdadeiro destino a pôr-se a serviço de uma pessoa.’”

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Texto extraído de: LISPECTOR, Clarice. A Descoberta do Mundo; Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992; p.213. O título da postagem é o mesmo da crônica.

Thomas Merton [1915-1968] Monge trapista da Abadia de Gethsemani [Kentucky, USA]; escritor, poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas.

+ Thomas Merton http://www.reflexoes-merton.blogspot.com/

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Paulo Sérgio dos Santos Machado

Paulo Sérgio; "Estrelas e Corações"; hidrocor s/ papel; s/d

“Meu nome é Paulo Sérgio dos Santos Machado. Nasci em 27 de agosto de 1954, no Rio de Janeiro, Brasil. Moro no Méier. Gosto de samba, pagode, forró, bossa nova, praia, esporte, amor, gosto de paz, carinho, da responsabilidade, do capricho, da dignidade, gosto do respeito, gosto de viajar, da honestidade, gosto das coisas boas, da sinceridade, gosto das boas pessoas, sou católico, gosto de pensar positivo, de imaginar positivo, gosto da vida, gosto deste mundo lindo e encantador, sou uma pessoa amiga, gosto da gentileza e também gosto da bondade, gosto da felicidade e das boas relações.
Satisfação,
Tudo de bom.”

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Não sei porque, mas hoje me lembrei do Paulo Sérgio.
Paulo Sérgio dos Santos Machado é um artista desconhecido, o que nem sempre quer dizer desimportante – pois os poucos que o conheceram, conhecem e conhecerão com certeza souberam, sabem e saberão reconhecê-lo em sua verdadeira dimensão e escala: humana, demasiadamente humana.
“Nada do que é humano me é estranho” é outra sentença nietzscheana. E Paulo Sérgio é um dos que podem dizer que viveram um pouco mais intensamente o que se oculta nesta frase. Nos seus desenhos e pinturas, Paulo Sérgio é todo luz; na vida, vive o paradoxo de saber que “toda luz projeta sua sombra.”
Do texto que escrevi para sua exposição Constelações do Universo de um Ser Humano [nome e sobrenome resultantes de um acordo entre nós, pois eu havia sugerido apenas “Constelações” e ele fez questão de acrescentar o sobrenome...], em 2003, na Galeria do Centro Cultural da Uerj, rememoro alguns trechos:

“Nos trabalhos aqui expostos, elementos recorrentes articulam uma vontade de ordem, equilíbrio e beleza [...] que se apóia quase sempre na simetria para compor uma imagem simultaneamente estabilizadora e energética do mundo e da vida. [...] as linhas se organizam como que para capturar e transcrever a imanência de forças invisíveis [e] plasmam essas forças de uma inequívoca materialidade.”
“[...] Paulo Sérgio constrói uma obra pessoal moldada pelos ideais clássicos que sempre associaram a contenção e o equilíbrio à harmonia, e esta, à beleza; mas uma obra igualmente marcada pelo dinamismo barroco de uma geometria suntuosa, quase fantástica. Assim, por essas artimanhas inerentes ao fazer artístico, sempre a nos lembrar que a verdade da arte é diferente da verdade da vida, Paulo Sérgio, que tanto preza as certezas da simetria, por meio da tensão resultante dessa articulação de opostos presentes em suas obras, nos confronta com a incerteza e a indeterminabilidade.[...]”
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Há tempos não vejo Paulo Sérgio. Nem ao menos sei se ele continua entre nós. Mas agora sei completamente porque me lembro dele hoje: para falar um pouco de luz e de mergulhos, de belezas medidas e desmedidas.
Fica aqui a homenagem ao artista que conheci como estagiário nas Oficinas Terapêuticas do Hospital-Dia Ricardo Montalbam, do Hospital Universitário Pedro Ernesto, quando cursava minha graduação. Além das lembranças da convivência por mais de dois anos, guardo até hoje o desenho reproduzido no início da postagem, o mesmo escolhido por ele para ilustrar a capa do folder e que gentilmente me foi ofertado como agradecimento pelo trabalho que realizamos, conjuntamente, de curadoria e montagem de sua exposição.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

trago



o
mel
das entranhas
o
osso
do tempo
o
mar
dos lamentos
o
creme
do crime
o
dia
de sol
o
chão
do abismo
o
sonho
no colo
o
alvo
ao léu
a
alma
ao relento
o
céu
pela boca
o
leito
no peito
o
cerne
da coisa
a
carne
da língua
a
obra
em progresso
o

pela mão



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[ R.M. ]

quarta-feira, 8 de julho de 2009

precisão


preciso
perder
a
razão
para ser
mais preciso

ou:

para ser
mais
preciso perder

ou:

preciso
perder a razão
para ser

ou:

preciso
perder
a
razão
para
ser mais

eu:

preciso





[R.M.]

dupla lavra




guardo a palavra
e
cuido de mim


.



[R.M.]


meta fora

entro de cabeça
no corpo
da
palavra

mas

não faço amor
faço a guerra


R.M. [ * ] a partir de Roman Jakobson:
"A literatura é a violência organizada contra a fala comum."



in corpore

o corpo da palavra
não é
o meu

o corpo da palavra
é um
duplo de mim

o corpo da palavra
não me é
estranho

e

se
de repente
me entranho

rápido e rasteiro
saio
inteiro

o corpo da palavra
não é
meu




[ R.M. ]


tamanho

tantas
e nenhuma
face –

o sol
ainda abaixo
do horizonte –

um grito
em vontade
é ainda maior –




[ R.M. ]



terça-feira, 7 de julho de 2009

vocatio


a

força da palavra

é:

toda claridade
clareza
nem
uma




[R.M.]

pureza

um grito
em vontade
é ainda maior




[ R.M. ]

imagens: série sombras; fotografia digital, 2009.

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quarta-feira, 1 de julho de 2009

de aniversário

foto da série "orquídeas"; R.M., 2007

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Penso em você com ternura
Penso em você com afeto
Às vezes bem que te esqueço – é fato...
Ninguém é assim tão perfeito – ou chato!

Porém se de ti me esqueço
É só pra lembrar em seguida
Pois tua lembrança, reconheço,
Me faz bem à vida...

Da vida se vem, e nela se vai
A tudo contém, em tudo se esvai
Mas se entre chegada e partida
Da vida almejamos boa guarida

Guardemos não só na lembrança,
Amiga: se cada um é de si e se tem
Vida com vida se trança...
E cuidar de ti me faz bem!



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R.M.
para Norma O.
jun/jul, 2009