quinta-feira, 26 de agosto de 2010

fazer-se




I


o gesto
define
conforma
o corpo

a mão que molda
sente e
sabe:

em espírito somos todos
irmãos
iguais
mas
à matéria

[justa medida de todas as coisas]

cabe a lida
diária
cotidiana:

ser em si
sentir-se
doar-se
doer


.






II



deixa o lastro
e dança

o peso
acalma

leve
o
abandono






[R.M.]

imagens: esculturas de Gleide Almeida

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Genet visita Giacometti


Alberto Giacometti [1901-1965]; fotografia de Gordon Parks


I

"Todo homem terá talvez sentido essa espécie de pesar, se não terror, ao ver como o mundo e sua história se mostram enredados num inelutável movimento que se amplia sempre mais e que parece modificar, para fins cada vez mais grosseiros, apenas suas manifestações visíveis. Esse mundo visível é o que é, e nossa ação sobre ele não poderá nunca transformá-lo em outro. Sonhamos então, nostálgicos, com um universo em que o homem, em vez de agir com tanta fúria sobre a aparência visível, se dedicasse a desfazer-se dessa aparência, não somente recusando qualquer ação sobre ela, mas desnudando-se o bastante para descobrir esse lugar secreto, dentro de nós mesmos, a partir do qual seria possível uma aventura humana de todo diferente. Mais precisamente moral, sem dúvida. Mas, afinal, é talvez a essa condição inumana, a esse agenciamento inelutável, que devemos a nostalgia de uma civilização que procuraria se aventurar fora do que é mensurável. É a obra de Giacometti, creio, que torna nosso universo ainda mais insuportável, pois parece que esse artista soube afastar o que perturbava seu olhar para descobrir o que restará do homem quando as máscaras forem retiradas. Mas a Giacometti talvez tivesse sido igualmente necessária essa condição inumana a nós imposta, para que sua nostalgia se tornasse tão grande a ponto de lhe dar força para lograr a sua busca. Seja como for, toda a sua obra me parece ser essa procura, visando não só o homem, mas também não importa o que, o mais banal dos objetos. E quando consegue despojar o objeto, ou o ser que escolheu, de suas máscaras utilitárias, a imagem que nos dá é magnífica. Recompensa merecida, mas previsível."



Alberto Giacometti;
"Jean Genet on a Balcony"


II

"Não se aborda uma obra de arte - quem não sabe disso? - como a uma pessoa, um ser vivo ou outro fenômeno natural. O poema, o quadro, a estátua exigem ser examinados com um determinado número de qualidades. Mas falemos do quadro.
Um rosto vivo não se entrega com tanta facilidade, no entanto não é preciso muito esforço para descobrir seu significado. Creio - estou arriscando -, creio que o importante é isolá-lo. Se meu olhar o destaca de tudo o que o cerca, se meu olhar (minha atenção) impede que esse rosto se confunda com o resto do mundo, evadindo-se em infinitas significações cada vez mais vagas, fora de si mesmo, e se, ao contrário, obtenho a solidão por meio da qual meu olhar o separa do mundo, é apenas seu significado que afluirá e se acumulará nesse rosto - pessoa, ser ou fenômeno. Quero dizer que se o conhecimento de um rosto pretende ser estético, deve recusar ser histórico.
Para examinar um quadro, é necessário um esforço maior, uma operação mais complexa. Foi realmente o pintor - ou o escultor - quem efetuou por nós a operação acima descrita. É, portanto, a solidão da pessoa ou do objeto representado que nos é restituída, e nós, que olhamos, para percebê-la e sermos tocados por ela, devemos ter uma experiência não da continuidade, mas da descontinuidade do espaço.
Cada objeto cria seu espaço infinito.
Se olho o quadro, como disse, percebo-o em sua solidão absoluta de objeto como quadro. Mas não é isso que me preocupa. E sim o que a tela deve representar. O que eu quero apreender em sua solidão é simultaneamente essa imagem que está sobre a tela e o objeto real que ela representa. Devo então primeiro tentar isolar em seu significado o quadro como objeto (tela, moldura etc), para que ele deixe de pertencer à imensa família da pintura (mesmo que retorne mais tarde) e que a imagem sobre a tela se ligue à minha experiência do espaço, ao meu conhecimento da solidão dos objetos, dos seres ou dos acontecimentos, como descrevi acima.
Quem nunca ficou maravilhado com essa solidão, não conhecerá a beleza da pintura. Se disser o contrário, mente."


Jean Genet [1910-1986]






Trechos extraídos de:

Genet, Jean. O ateliê de Giacometti. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2000.
Tradução: Célia Euvaldo


Acima: Alberto Giacometti; "La main"

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

com sumo



nada estranho
entranho
abraço o mundo
vasto mundo
e assim

gravo

um pouco de mim
no osso
de tudo





[R.M.]

+ presença de Mira Schendel [monotipia sobre papel arroz]

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Horizontes





Solto a linha
Do carretel
Empino a pipa
Alto no céu...

Sonhei um dia
Voar assim...
Mas, pé no chão,
Caí em mim:

O céu da pipa
Não tem fim...
O céu da pipa
É dentro de mim!


.


[R.M.]
+
foto de Pierre Verger


.

Este poema nasceu de uma oficina de criação poética com o tema "Pipa",
proposta pelos amigos e amigas do site Anjos Caídos.
Os poemas de todos os participantes podem ser vistos e lidos no site:
http://www.anjoscaidos.jor.br/oficina/temas_textos/pipas/pipas.htm

de cor





findo o amor

que não o

fim do amor






[R.M.]
imagem: Max Ernst; frottage

artaudvangogh: o ato do pintor


Vincent Van Gogh; "A noite estrelada"; óleo s/tela, 1889



"Hacía mucho tiempo que la pintura lineal pura me enloquecía cuando descobri a van Gogh, que no pintaba líneas o formas, sino cosas de la naturaleza inerte como agitadas por convulsiones.
E inertes.
Como bajo el terrible embate de esa fuerza de inercia a la que todos se refieren con medias palabras, y que nunca ha sido tan oscura como desde que la totalidad de la tierra y de la vida presente se combinaron para esclarecerla.
Ahora bien, son mazazos, realmente mazazos lo que van Gogh aplica sin cesar a todas las formas de la naturaleza y a los objetos.
Cardados por el punzón de van Gogh,
los paisajes exhiben su carne hostil,
la rabia de sus entrañas reventadas,
que por lo demás, no se sabe, qué fuerza insólita está metamorfoseando.

Una exposición de cuadros de van Gogh siempre és una fecha en la historia,
no en la historia de las cosas pintadas, sino pura y simplesmente en la historia histórica.
Pues no hay hambre, epidemia, erupción volcánica, terremoto, guerra, que doblegue las mónadas del aire, que retuerza el pescuezo a la cara torva de fama fatum, el destino neurótico de las cosas,
como una pintura de van Gogh, - expuesta a la luz del día,
colocada directamente ante la vista,
el oído, el tacto,
el aroma,
en las paredes de una exposición, -
renovada, por fin, lanzada a la actualidad cotidiana, puesta en circulación de nuevo.
En la última exposición de van Gogh, en el Palais de l'Orangerie, no figuran todas las telas de gran tamaño del desventurado pintor. Pero, entre las que están, hay bastantes desfiles giratorios constelados de penachos de plantas de carmín, caminos desiertos coronados por un tejo, soles violáceos que giran sobre garbas de trigo de oro puro, Papá Tranquilo y retratos de van Gogh por van Gogh,
para recordar de qué sórdida simplicidad de objetos, personas, materiales, elementos,
van Gogh extrajo esas calidades de sones de órgano, esos fuegos artificiales, esas epifanías atmosféricas, en fin, esa 'Gran Obra' de una sempiterna e intempestiva transmutación."


Antonin Artaud [1896-1948]





Extraído de: ARTAUD, Antonin. Van Gogh: el suicidado de la sociedad y Para acabar de una vez con el juicio de Dios. Madrid: Editorial Fundamentos, 1977. [Tradução do original francês, escrito em 1947: Ramón Font]
[Uma tradução para o português pelo poeta Ferreira Gullar, mais resumida que a espanhola, foi publicada pela editora carioca José Olympio em 2003 com o título "Van Gogh o suicida da sociedade"]
A transcrição reproduz fielmente o estilo, em prosa poética, do texto de Antonin Artaud.

o que é desenhar


"Os comedores de batatas"
óleo s/ tela, Nuenen, abril de 1885
+
fac-simile/esboço em carta ao irmão Théo


"O que é desenhar? Como o conseguimos? É a ação de abrir-se um caminho através de um muro de ferro invisível, que parece encontrar-se entre o que sentimos e o que podemos. Como atravessar este muro já que de nada serve golpeá-lo com força? Devemos minar este muro e atravessá-lo à base de lima e, no meu entender, lentamente e com paciência. E é assim que poderemos continuar assíduos neste trabalho sem nos distrairmos, a menos que não ponderemos e não arranjemos nossas vidas segundo nossos princípios. E isto vale tanto para as coisas artísticas quanto para as outras. E a grandeza não é uma coisa fortuita, ela deve ser desejada. Determinar se os atos de um homem devem conduzí-lo aos princípios, ou os princípios aos atos, esta é uma coisa que me parece tão difícil de saber, e que vale tanto a pena quanto saber quem nasceu primeiro, se a galinha ou o ovo. Mas considero como uma coisa positiva e de grande importância que nos esforcemos em desenvolver nossa energia e nosso pensamento."


Vincent Van Gogh [1853-1890]


.


.


Texto extraído de:
Van Gogh, Vincent. Cartas a Théo / Vincent Van Gogh; tradução de Pierre Ruprecht; Porto Alegre: LP&M, 2002
[trecho da carta 237; p.102]

terça-feira, 10 de agosto de 2010

o velho enlouquecido pelo desenho


"Autorretrato aos 83 anos"; nanquim s/ papel



"Desde os meus seis anos senti o impulso de desenhar as formas das coisas. Aos 50, expus uma coleção de desenhos; nada do que executara antes dos setenta me satisfaz. Só aos 73 pude intuir, aproximadamente, embora, a verdadeira forma e natureza das aves, peixes e plantas. Por conseguinte, aos 80 anos terei feito grandes progressos, aos 90 terei penetrado a essência de todas as coisas. Aos 100, terei seguramente subido a um estado mais alto, indescritível e, se chego a 110 anos, tudo, cada ponto e cada linha viverá. Convido aos que forem viver tanto quanto eu a verificar se cumpro essas promessas. Escrevo com a idade de 75 anos, por mim, antes Hokusai, agora chamado Huakivo-Royi, o velho enlouquecido pelo desenho."


Katsushika Hokusai
[1760-1849]







+ sobre o artista:
www.katsushikahokusai.org

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

vá lá







querer de gente
puro ser
por acidente







[R.M.]

imagem: Macaparana
+ sobre o artista: www.rioartecultura.com/macaparana.htm



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