“Eu, que pouco li Thomas Merton, copiei no entanto de algum artigo seu as seguintes palavras: ‘Quando a sociedade humana cumpre o dever na sua verdadeira função, as pessoas que a formam intensificam cada vez mais a própria liberdade individual e a integridade pessoal. E quanto mais cada indivíduo desenvolve e descobre as fontes secretas de sua própria personalidade incomunicável, mais ele pode contribuir para a vida do todo. A solidão é necessária para a sociedade como o silêncio para a linguagem, e o ar para os pulmões e a comida para o corpo. A comunidade, que procura invadir ou destruir a solidão espiritual dos indivíduos que a compõem, está condenando a si mesma à morte por asfixia espiritual.’
“E mais adiante: ‘A solidão é tão necessária, tanto para a sociedade quanto para o indivíduo que quando a sociedade falha em prover a solidão suficiente para desenvolver a vida interior das pessoas que a compõe, elas se rebelam e procuram a falsa solidão. A falsa solidão é quando um indivíduo, ao qual foi negado o direito de se tornar uma pessoa, vinga-se da sociedade transformando sua individualidade numa arma destruidora. A verdadeira solidão é encontrada na humildade, que é infinitamente rica. A falsa solidão é o refúgio do orgulho, e infinitamente pobre. A pobreza da falsa solidão vem de uma ilusão que pretende, ao enfeitar-se com coisas que nunca podem ser possuídas, distinguir o eu do indivíduo da massa de outros homens. A verdadeira solidão é sem um eu.’
‘Por isso é rica em silêncio e em caridade e em paz. Encontra em si infindáveis fontes de bem para os outros. A falsa solidão é egocêntrica. E porque nada encontra em seu centro, procura arrastar todas as coisas para ela. Mas cada coisa que ela toca infecciona-se com o seu próprio nada, e se destrói. A verdadeira solidão limpa a alma, abre-se completamente para os quatro ventos da generosidade. A falsa solidão fecha a porta para todos os homens.’
‘Ambas as solidões procuram distinguir o indivíduo da multidão. A verdadeira consegue, a falsa falha. A verdadeira solidão separa um homem de outros para que ele possa desenvolver o bem que está nele, e então cumprir seu verdadeiro destino a pôr-se a serviço de uma pessoa.’”
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Texto extraído de: LISPECTOR, Clarice. A Descoberta do Mundo; Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992; p.213. O título da postagem é o mesmo da crônica.
Thomas Merton [1915-1968] Monge trapista da Abadia de Gethsemani [Kentucky, USA]; escritor, poeta, ativista social e estudioso de religiões comparadas.
+ Thomas Merton http://www.reflexoes-merton.blogspot.com/
9 comentários:
"A solidão é necessária para a sociedade
como o silêncio para a linguagem (...)."
Tudo a ver com o livro
que ocupa agora minha cabeceira:
"A palavra ameaçada",
de Ivonne Bordelois.
Fantástico!
Um abraço,
doce de lira
Renata,
fiquei curioso para saber mais sobre este livro que você está lendo... Mantenha-me informado, por aqui mesmo ou pelo meu e-mail: raulmottaymotta@gmail.com
Grato pela presença!
Abraço, tudibom nos caminhos...
Raul
Incrível este texto, também não conhecia. A solidão parece ser mesmo nossa matéria prima básica. Tenho um poema intitulado: "o que nos faz poetas?", onde eu acabo concluindo que o que nos faz poetas é a solidão.
E que frase de Göethe, absolutamente verdadeira. Sinto que meu jardim anda um pouco mais habitado.
abraços
Nydia,
grato pela sensibilidade, pelas palavras.
Vamos seguir compartilhando flores, sementes e frutos dos nossos jardins...
Vou ler teu poema.
Abraço, bons caminhos...
É...o silêncio e as pausas da própria Clarice eram repletas de significados.
Beleza Raul! Saudades de nossos papos. Abraço grande! Marcelo.
Nunca pensei dessa forma, solidão e falsa solidão, mas agora faz sentido muita coisa. Maravilhoso texto, obrigada por compartilhar!
Um beijo
Alice,
bom que o toque te tocou!
Abraços e bons caminhos pra ti...
Gostei, entre outras frases, desta "Ambas as solidões procuram distinguir o indivíduo da multidão. A verdadeira consegue, a falsa falha".
Esse texto de Merton caiu-me "ao colo dos olhos", e eu nem sabia que o tinha :)
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