o poema nada sabe sobre
não paira acima
não olha de fora
não tem umbigo
o poema nunca nasceu
não tem ego
id
superego
nunca teve nada a ver com isso
ou aquilo
o poema não reza -
ora -
e toda hora é agora
o poema não se debruça à janela
não para pra ver passar a banda
o poema é a banda em silêncio
o publico em silêncio atônito atento ao silêncio da banda
o poema não presta e confessa:
amei a poesia
dormi com o poeta
mas isso foi um dia depois
matei a poesia
escarrei no poeta
o poema sempre foi sem eira nem beira
o poema assume que sonha acordado
que fala sozinho
que é louco varrido
barroco e concreto
o poema não cerca o Lourenço
não leva desaforo pra casa
não foge da luta
sin perder la ternura
o poema é uma pedra no caminho do poeta
o chumbo das asas
o salto
o assalto ao trem pagador
o poema é a pipa
o azul
a linha
o cerol
o cerol na linha
a linha na linha no azul
o corte a perda
o poema é o luto
a lápide
a vida eterna
de corpo presente
o poema não serve pra nada mas -
desde sempre - foi sempre um poema
a preencher de vida
a morte da vida
na gente
[R.M.]
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imagem
Raul Motta
Sem título; monotipia xilográfica; s.d.
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Poema republicado no blog Cronísias
Meus agradecimentos ao poeta Fred Caju